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Respiração: caminho de volta a si mesmo



Respiração: caminho de volta a si mesmo


Em algum momento de profunda dor ou desespero, você já deve ter se perguntado algumas vezes: como faço para me organizar diante de tudo isso que se passa dentro e fora de mim? E alguém, estando por perto, já deve ter te respondido: respira fulano... Algo tão simples e involuntário, mas muitas vezes tão automático que mal reconheço esse fluxo em mim!

A respiração é considerada a mais importante e essencial função corporal do ser humano.  Acreditava-se que, ao nascer, o bebê deveria chorar para então ter a certeza de que se adaptou enquanto organismo ao meio aéreo e, não mais ao aquático como estava acostumado. Na outra ponta da vida, finada a respiração o organismo vai morrendo, pois perde a principal fonte comburente (oxigênio) que gera vida a cada célula. Portanto, a vida é medida pelo primeiro e último suspiro. Nesse ínterim, respiramos grande parte do tempo de modo inconsciente. Será por qual motivo?

Em diversas culturas, a respiração é considerada um importante instrumento para o desenvolvimento físico, psicológico e espiritual.  Fisicamente falando, é bem óbvio compreender o significado da respiração: vida fisiológica garantida! Quando se pensa a respiração a partir de diversas perspectivas espirituais, pode-se também dizer, em síntese, que a respiração significa fonte de energia. Então, com a respiração estabelece-se uma ligação física e energética entre o eu e o mundo. Entretanto, existe uma relação anterior à minha relação com mundo. É a minha relação comigo mesmo! Esta influencia fortemente o meu modo de estar no mundo e, depende essencialmente do meu modo de respirar.

Do ponto de vista psicológico, a respiração pode ser compreendida como o principal veículo de contato interior. Torna-se importante compreender possíveis caminhos de retomada de contato, pois grande parte de nossos adoecimentos psicológicos começam, frequentemente, nas distorções e evitações de contato que se estabelece consigo mesmo e consequentemente com o outro. Mas, criar uma relação verdadeira com o nosso interior não se faz de qualquer maneira. Fazer contato com a profundidade do nosso ser pede uma atitude de abertura frente ao desconhecido que pulsa em cada um. Ainda que com medo, somente se entregando ao seu modo próprio e natural de respirar, você começará a fazer contato com o mundo rico e diversificado de sensações, emoções e sentimentos que te habitam. A respiração, de maneira presente e livre, funciona como um auto-transporte para seu interior, ou seja, te guia de forma segura e no seu ritmo para dentro de você, atravessando defesas e desertos, chegando a lugares novos e que há muito tempo esperavam por uma visita sua. Por vezes, seus medos e inseguranças te protegeram tanto que te impediram, por algum tempo necessário, de fazer esse contato maior consigo, levando-o a desenvolver padrões de controle sobre suas experiências. Mas respirando e respirando, você vai reconhecendo melhor seus ritmos e pulsações, gerando calor capaz de derreter antigas armaduras arduamente construídas, possibilitando o encontro com seu modo próprio de sentir e significar as suas experiências. Ou seja, você vai se aproximando e perdendo o medo de si mesmo. E esse encontro é um caminho sem volta, pois viver evitando o contato consigo mesmo é mais trabalhoso do que aceitar o calor e a força da vida que há em ti. Respirar-se é aprender a sentir-se verdadeiramente, é acordar todo o seu corpo para perceber o que pulsa dentro e fora de você!

        “Agora que sinto amor
            Tenho interesse nos perfumes
            Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
            Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova
            Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
            São coisas que se sabem por fora.
            Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
            Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
            Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver”.
(Fernando Pessoa, heterônimo Alberto Caiero)

Texto produzido pela psicóloga Ana Lídia Mafra  - Equipe CPH MINAS

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